sábado, 20 de novembro de 2010

Peito & Pau.

Lea T

Ninguém nasce travesti, torna-se. É uma escolha ativa, às vezes incompreendida e mal vista, mas é uma escolha. A travesti é fruto de escolhas. Escolhe-se o tamanho dos seios, quadris, cabelos e lábios, escolhe-se o estilo de roupa e o nome. Mulheres lindas emergem de corpos do sexo masculino, geralmente num processo lento, doloroso e perigoso. “As travestis são centauros urbanos, duas vidas num corpo só. [...] A travesti nos fascina porque assume a verdade de sua mentira”, disse Arnaldo Jabor, no Jornal da Globo. A travesti não faz concessões, ela agrega valores: tem no mesmo corpo peito e pau. Não renuncia nenhum dos dois sexos, é simultaneamente: homem e mulher, nenhum dos dois gêneros, é simultaneamente: masculino e feminino. São duas vidas num corpo só.

Two-spirits
Para os demais mortais, inclusive Eu: Alemberg Santana, resta apenas a condenação de ser  homem OU mulher e a desempenharmos papéis sociais de acordo com nosso sexo biológico. “Em todas as culturas humanas, homens e mulheres são vistos como possuidores de naturezas diferentes. Todas as culturas dividem o trabalho por sexo, com mais responsabilidade pela criação dos filhos para as mulheres e mais controle das esferas públicas e políticas para os homens. [...] Em todas as culturas os homens são mais agressivos, mais propensos a roubar, a cometer violência letal (incluindo guerra) e têm maior probabilidade de cortejar, seduzir e trocar favores por sexo.” * As diferenças entre os sexos não são características arbitrárias, como a escolha da cor rosa para as meninas e azul para os meninos, são reais. Na grande maioria das vezes, homens e mulheres possuem características externas, órgãos sexuais, hormônios, cérebros e cromossomos diferentes. Por tudo isso é esperado que homens e mulheres pensem e comportam-se de formas diferentes. Entretanto, existem numerosos casos, onde essas diferenças não são assim tão nítidas. Algumas pessoas nascem com órgãos sexuais ambíguos, como os intersexos, outras têm uma anatomia que não correspondem aos seus cromossomos sexuais. Na síndrome de Klinefelter, os homens possuem cromossomos XXY, estatura elevada, desenvolvimento dos seios e dos quadris. Já na síndrome de Tuner a criança possui um único cromossomo X, herdado do pai ou da mãe, em vez de dois: XX para meninas e XY para meninos, e características femininas. As diferenças bio-pisico-social entre homens e mulheres existem, mas pelo visto a linha divisória não é assim tão rígida, como a sociedade nos faz crer. As travestis, aí estão provando que não só é possível transitar entre os dois mundos, como também vivê-los, simultaneamente, num só corpo.

Mega-hair, peitos de silicone, cirurgia plásticas são fenômenos recentes, são ferramentas do nosso tempo, disponíveis para a transformação de um corpo puramente masculino para um corpo misto masculino/feminino, para aqueles que já tinham a alma dupla; mas o travestismo não é fenômeno, exclusivamente, do nosso tempo. A bióloga transexual Joan Roughgarden, autora do livro Arco-Íris Evolutivo: Diversidade, Gênero e Sexualidade na Natureza e nas Pessoas, afirma que várias culturas desenvolveram técnicas seculares para operar a mudança de sexo. A comunidade hijra, que existe a séculos na Índia e já chegou a formar uma casta com mais de 1 milhão de pessoas, cortam o pênis e os testículos, usam nomes, roupas e acessórios femininos. Praticam sexo com homens e chegam a viver maritalmente. Na Roma Antiga, as sacerdotisas cibelianas eram homens que se transformaram em mulheres. Como não tinha anestésicos, a operação era feita em transe religioso, durante as cerimônias. Na Polinésia e entre os índios da América do Norte, o gênero da pessoa não está associado ao corpo, mas à ocupação social. Em algumas tribos norte-americanas existiam índios-mulheres e mulheres-homens que eram tidos como possuidores de duas almas, uma masculina e outra feminina (two-spirits) e por essas características lhes eram dados papéis específicos em rituais sagrados. 

Hijras, two-spirits, sacerdotisas cibelianas desfilam pelas ruas da história e ocupam seus pontos nas esquinas da moralidade, desafiando convenções e subvertendo definições. Orgulhosamente sendo homem e mulher no mesmo corpo.



* Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza humana / Steven Pinker

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