quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Amor de novela só existe em novela.

Imagem do google
Nasci numa cidade no interior da Bahia que fica aproximadamente a 374 km de Salvador e anos luz da civilização. Sou o 5º filho de um total de oito. Meu pai, homem de pouca instrução, que mal sabia assinar seu nome, construiu seu patrimônio financeiro a custa de muito esforço físico e intelectual. Sim, não saber ler e escrever não o tornou um perdedor, pelo contrário, saiu da linha da pobreza para se tornar um dos homens mais rico daquela cidade em pouco tempo e honestamente. Faltava-lhe cultura e bons modos, mas nunca lhe faltou dinheiro e zelo pelos filhos. O dinheiro nos trouxe uma casa enorme com todos os móveis possíveis, carros, motos, bicicletas, cavalos, fazendas, muitos empregados e uma TV. Na minha infância, televisão era um artigo de luxo e nós tínhamos umas das poucas televisões do meu bairro, era em preto e branco e não tinha controle remoto, ficava na sala de estar e era compartilhada por todos, por meus pais, meus muitos irmãos, empregados e vizinhos. Era uma festa assisti TV, não tinha briga para trocar de canal, porque sempre ficava no mesmo canal. Em 1973, aos sete anos de idade assisti a primeira versão de Mulheres de Areia, lembro de pouca coisa, lembro que eu odiava Rachel (a gêmea má) e a fala de Tono da Lua, amava ver o mar, as cortinas e os abajures. Os romances não me comoviam, mas ficava comovido com a relação que as crianças da novela tinham com seus pais e assim desenvolvi o meu gosto pelos “amores de novela”.

A minha primeira escolinha ficava do outro lado da rua, era só olhar para um lado e para o outro, sair correndo e em segundos estava lá. Mesmo assim levava meu lanche para escola, coloria desenhos, cantava músicas educativas etc. Era uma escolinha como toda escolinha de novela, mas não tinha meus pais na porta da escola me esperando. Cresci indo e vindo para todas as escolas que estudei na minha cidade, sozinho ou acompanhado de outra criança mais velha.  E nunca, nunca mesmo, nenhum dos meus pais foi me levar ou buscar na escola. Minha casa era a melhor do meu bairro, mas durante a minha infância inteira nunca teve nem abajur e nem cortinas, como nas casas das novelas. Nunca tomamos café da manhã, almoçamos ou jantamos todos juntos, nunca celebramos o Natal e nem nossos aniversários, como as famílias das novelas. A minha família era muito rica para os padrões da minha cidade, mas não nos portávamos como os ricos das novelas. Que frustração, não tive uma família de novela, um amor de novela, uma tragédia de novela e nem uma intriga de novela. Às vezes eu acho que sou uma ficção, nada na minha vida acontece ou já aconteceu como nas novelas.

A minha TV (imagem do google)
Meus dias começam sem o resumo do dia anterior e o pior termina sem: “a seguir cenas”. Nunca consegui correr em câmera lenta e nem ter “flash backs” em “slow motion”. Meus relacionamento atual já duram mais que 4 meses, não tem tema de amor e nem toca música toda vez que nos beijamos. Que triste, nunca tive um amor de novela. Quando conheci meu companheiro, o tempo não parou e nem o vento soprou no rosto dele, despenteando seu cabelo. Achei-o um pouco antipático e ele me achou desinteressante. Definitivamente, não foi amor a primeira vista, não foi e nem estar sendo um amor de novelas. Do lado de cá da telinha a gente briga e discute a relação, não por interferências um vilão lindo e sem escrúpulos, a gente briga porque 14 anos de idade nos separa, porque ele veio de uma família diferente da minha, porque eu tenho sonhos, desejos e necessidades diferentes das dele. Eu quero segurança e ele quer romance, ele quer monogamia sexual e emocional, eu me contendo só com a emocional. Ele quer isso e eu aquilo, ele quer o cru e eu o cozido, ele quer o hoje e eu o amanhã; queremos coisas diferentes o tempo todo, mas tem uma coisa, uma única coisa que queremos de forma igual e é isso que nos mantém nas nossas diferenças, queremos ser uma família.

É certo que atropelamos o tempo, subvertemos a ordem e fomos morar juntos antes de nos conhecermos. E isso é uma coisa meio comum no mundo gay, quase uma regra. Acredito que isso acontece, porque falta espaço público para se viver um amor entre iguais. Melhor é ir morar junto logo de cara, afinal não é nada agradável ficar se encontrando em motéis ou casas de amigos, namoro no portão, nem pensar. E qual o problema que há nisso? Todos. A começar que se perde a oportunidade de conhecer melhor o outro, desenvolver afinidades, polir as arrestas, reconhecer os porquês das diferenças e respeitá-las, para depois decidir quando e onde juntar os trapos. Morar junto logo de cara é voltar no tempo e reconstruir toda a trajetória dos casamentos arranjados, onde as esposas conheciam seus maridos já dentro das casas deles, com as suas regras e normas já estabelecidas por ele. Acho que o parceiro que chega num lar já pronto, provavelmente deve sentir-se um estranho no ninho e o pior, sem garantias que tudo que já está ali lhe pertence, também, de alguma maneira. Esse é um dos bilhões de conflitos pelo qual passamos.

Imagem do google
Eu: Alemberg Santana venho de um lar que nunca foi igual aos encontrados nas novelas, não tive uma mãe de novela. Ainda hoje sinto falta de uma “mãe de novela” que nunca tive. Como dona Nenê da Grande Família, por exemplo. Carrego o sentimento ou uma fantasia de que meus pais não foram suficientemente presentes, amáveis, compreensivos etc E espero que o meu companheiro preencha aquilo que sinto falta na minha família de origem. Provavelmente todos nós gays e heteros desejamos isso, formar uma família com seus parceiros. E esse é o segredo de ainda estarmos juntos, apesar das nossas diferenças, sentimos que já fazemos parte de uma família. Uma Grande Família de dois: eu e ele.

PS: eu não tenho um "amor de novelas", mas um dia vou fazer do meu casamento uma novela das oito. A seguir cenas.


“A família é universal e tem diversas funções. Atende a necessidades econômicas, uma vez que é muito mais fácil manter-se com ajuda de alguém; tem função afetiva, já que é uma espécie de ancoradouro dos indivíduos; e tem função social, pois é através dos laços que formam uma família que o tecido social fica coeso. E isso tudo não vai mudar.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário