sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Teatro Intímo

Nunca tive pretensões de ser um artista, mas tenho uma estreita relação com a arte desde criança. No primário tirava nota dez em todos os trabalhos em Educação Artística - sim, isso era uma matéria e tinha o mesmo peso que a matemática ou biologia. Eu desenhava e pintava como ninguém, era o melhor aluno nessa matéria e isso alimentou sonhos na cabeçinha da minha irmã mais velha, que sonhava ter um irmão artista, em qualquer modalidade de arte: pintor, cantor, ator não lhe importava, desde que eu virasse artista. Virei medico, mas nunca abandonei a arte, porque a arte entranhada nas minhas veias teve e tem mais um papel de auto cura do que de realização artística.
A arte me faz um bem danado, com arte curei quase todas as minhas feridas ou pelo menos tentei. Descobrir-se homossexual é doloroso, é parir a si mesmo. E para celebrar esse novo ser que me tornava, fiz secretamente, vestidinhos coloridos de boneca, para velar o filho que eu não mais seria, fiz vestidinhos pretos de bonecas, escondido numa casa abandonada, ao lado da minha casa. As bonecas eram os meus vudus, vudu fashion.

Beijei meninos e meninas e depois de decidir beijar só os meninos, passei para outras formas de arte e abandonei as bonecas, o vudu fashion já não mais me servia, assim fui passando de uma modalidade de arte para outras artes, de acordo com as minhas necessidades internas, de acordo com as minhas idades.

Fui estilista, design, poeta, modelo, ator-comediante, poeta (novamente), pintor, decorador e agora cronista, nessa ordem. Tudo mais imaginário que real, é verdade. Não tenho tanto talento assim para me considerar um artista, mas tenho muitos anos de passado, talvez mais do que de futuro, suficiente para dizer que tenho um artista dentro de mim. Publicamente sou médico, intimamente um artista. E o bom de ter um artista dentro de si é poder se reinventar a cada dia. Tenho a sensação que o meu passado foi escrito a lápis e toda vez que retorno a ele, modifico alguma coisa, retoco cores e as formas e nada envelhece. O bom de ter um artista dentro de si é que nunca você vai dizer eu fui, porque se vive no gerúndio: estou sendo. E o melhor de ter um artista dentro de si é ter a plena certeza que você não se conhece, porque você não é, está sendo.

Em 1989 em quanto passava a novela Que Rei Sou Eu? , Lula perdia a eleição para Collor, Flávia Cavalcanti era eleita miss Brasil e o Boeing 737-200 da VARIG caía na floresta amazônica (Brasil) eu estava sendo um poeta, pós-adolescente em plena crise existencial. E  Eu: Alemberg Santana, estava escrevendo:


Barman
  

Passei a vida indo de homem a homem,
Como quem vai de bar em bar.
Em todos bebi sempre as mesmas bebidas.
Comi as mesmas comidas. Sempre.
Sempre as mesmas caras, cheiro, fumaça e barulho,
Mas todos com um sabor diferente, próprio.
Porque não eram apenas bebidas ou comida
Eram homens.

Levei minha boca a todas as bocas de copo e homens.
Suei como cerveja.
Sangrei em vinho.
Fui servido em todas as mesas.

Passei por todos os copos, corpos e bares.
Passei pela vida sem chamar atenção.
Sem fazer alarme, como um homem comum.
E a vida passou por mim, como lágrimas sem registro.

Fui aprendendo, sem saber viver.

Aprendi a ser alegre com vodka.
A esquecer a solidão “on the rocks”.
A ter classe,
A borbulhar e estourar como champanhe.
Ou simplesmente partir em cacos,
Como um copo embriagado no final da noite.


Um comentário:

  1. + Pax +
    Bom dia, meu querido...
    Ao seu convite de visualizar o seu blog, estou passando para ver os outros posts, e achei este aqui muito interessante, ainda mais quando usou a expressão "parir a si mesmo", quanto ao se dizer homossexual... Isto, é uma das bênçãos que os Deuses das Artes nos proporcionam e nos iluminam. Então, que a Arte nos faça ver a vida tão bela quanto é, lindo o seu poema...

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