terça-feira, 28 de setembro de 2010

Cale-se, cale-se, cale-se; cale-se!

     Já tive meus desentendimentos com vizinhos por causa do barulho. Visitei a delegacia por duas vezes, uma vez fui levado e na outra levei um. Foi desgastante, mas também muito lucrativo. Bem distante no tempo e no espaço dos eventos acontecidos, cheguei a conclusão que, no meu caso, não foi só o barulho que me incomodou. A falta de educação e bons modos dos meus vizinhos me incomodavam mais, muito mais. Meu ex-vizinho (agora moro bem longe dele) é fruto de uma família barulhenta, daquelas acostumadas a falar tudo aos berros, desde um cordial e feliz boooooooooom diiiiiiiiiiiiiiiiiiia até um raivoso filhooooo da puuuuuta!  Tudo era dito com alguns decibéis a mais, que a media da humanidade (inteira). O pai tinha amantes, os filhos fumam maconha e tudo me era compartilhado sem a minha autorização. Eram preconceituosos, pervertidos e espaçosos, não se limitavam aos cômodos do apartamento deles, invadiam a minha casa também. Participei de todas as brigas e conversas amenas daquela família, desde a gravidez indesejada da filha as constantes quebra de baço do filho com o pai, sem nunca tê-los visto cara a cara.

[...]
Pirraça pai!
Pirraça mãe!
Pirraça filha!
Eu também sou da família
Eu também quero pirraçar...

Certa noite, eu estava lutando heroicamente contra minha costumeira dor de cabeça (sim, eu tenho enxaqueca, sou doente, pronto - confessei!) e tentando dormir, quando me deparo com repetidos disparos daquele som horrendo, que o MSN emite quando chega uma nova mensagem, no último volume. Educadamente pedi ao meu vizinho, que até já considerava um parente, que abaixasse um pouco o volume do som, que eu estava tentando dormir e ele aos berros, disse: vá se fudeeeeeeeeeeeeeeeeerr! E fui, fui dormir ao lado do meu colega de apartamento que roncava mais que a turbina de um Boeing. Curiosamente, depois de ter passado a raiva, conseguir dormir dentro da turbina do avião, quero dizer, no quarto do meu amigo.

Foi aí que me dei conta de duas coisas óbvias e importantes, mas até então, não pensadas.

Uma: que o corpo humano é uma usina de sons: espirros, tosses, arrotos, peidos, soluços, pigarros, o som da respiração, o batimento cardíaco, tapas, borborigmo (a movimentação de gases no interior do intestino), bruxismo (ranger dos dentes), assovios, som do atrito da pele (esfregando as mãos, cocando...) e claro, a voz. E, mesmo que, se eu fosse surdo, não estaria livre das ondas sonoras. O som se propaga em ondas e as ondas vibram. Meus vizinhos me faziam vibrar, vibrar de aflição.
Eu estranhava seus modos, seus berros, suas opiniões e eu odiava aquela família. Seus berros me assustavam, me desconcentravam e acima de tudo me invadiam por inteiro. Hora, eram tão barulhentos como a onda do mar quebrando sobre as pedras, hora eram ruidosos como a chuva, mas o mar não emite opiniões preconceituosas e nem a chuva maltrata intencionalmente. Sei que a natureza em seu estado bruto é extremamente barulhenta: o vento, o mar, as árvores, os pássaros, os bichos... emitem seus sons e o silêncio absoluto não faz parte da natureza. O som existe é não podemos ligá-lo e desligá-lo ao nosso belo prazer. Eu sei disso tudo e sei que eu não me sinta de fato incomodado com as vozes deles, o que diziam e como diziam me incomodava muito.

Duas: ir à delegacia foi o recurso mais imediato, à primeira vista, para calar a intolerância, a má educação, a perversidade, que aquela família continha. O delegado foi bem enfático com o rapaz e “passou-lhe um pito” e na mãe dele também. Sai de lá com a sensação, imediata, de justiça cumprida e todo empinado por ter vencido, aparentemente, aquela batalha. Ledo engano, eles continuaram preconceituosos, pervertidos e espaçosos, agora com um decibéis a menos, só isso.

Curiosos para saber, por que o meu outro vizinho me levou a delegacia? O motivo foi praticamente o mesmo, ele queixa que a minha casa era um verdadeiro bordel, foi o que quase disse na delegacia, que eu recebia “pessoas” todos os dias na minha casa e não deixa ele dormir, blá, blá, blá ... Verdade em partes, eu recebia meus amigos, às vezes, mas sempre com música ambiente, um bate-papo animado, como umas crises de riso, um pouco mais alto, talvez. Na verdade, ele estranhava meus modos, meus amigos, nossas opiniões e ele odiava gay. Ir à delegacia foi o recurso mais imediato, à primeira vista, para ele calar a homossexualidade, o homem que falava dos seus sentimentos, era vaidoso e gostava de ouvir Cyndi Lauper, Madonna, Fred Mercury, Sade Adu, Seal, Edson Cordeiro, Ney Matogrosso...
Talvez ele tenha saído da delegacia com a sensação, imediata, de justiça cumprida por ter vencido, aparentemente, aquela batalha. Ledo engano, Eu: Alemberg Santana, contínuo mais gay do que nunca, sensível, vaidoso e recebendo meus amigos ao som de Lady Gaga, Beyoncé, Kety Perry, Robbie Williams... agora na minha mansão.

Que rufem os tambores e benditos sejam todos os sons! Pedir silêncio não cala o que se deve calar e nem o que se quer calar, pedir silêncio inibe, reprime, coíbe, mas não repara, concerta e nem modifica. 

2 comentários:

  1. + Pax +
    Adorei o seu texto, e vem algo que sinto sempre quanto ao outro, é um jogo constante em que devemos saber qual a melhor postura de se portar diante os desafios que nos impõe. Somos todos preciosos diamantes a serem lapidados...

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  2. As pessoas não entendem que o seu direito acaba quando começa o do outro e o que é pior, se acham, o dono de tudo...a calçada? ah! a calçada é só delas, não passa mais ninguém por ela. O ônibus? o ônibus foi fretado, e desfilam com a bolsa/mochila pelo corredor da maneira que bem entendem e quando sentam em alguma cadeira, despencam quase que por cima de quem está do lado. Adoram ouvir música no celular, de preferencia aquelas bem exdrúxulas e as pessoas são obrigadas a ouvir com elas, pois o fone de ouvido deve incomodar, então preferem incomodar as outras pessoas. Portanto, cale-se a má educação das pessoas.

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